Correio Paulinense

Paulínia, 28 de março de 2024
Orçado inicialmente em quase R$ 96 milhões, o custo da obra sofreu três reajustes, que elevaram o valor para mais de R$ 119 milhões

Última atualização em 10 de maio de 2015

[imagem] Uma nova decisão judicial local sobre o “Manto de Cristal”, que ficou conhecido como a “Pirâmide de Moura”,  trouxe à tona, outra vez, uma das obras mais polêmicas e caras da história de Paulínia, contratada em 2004 pelo então prefeito Edson Moura (PMDB), pai do prefeito cassado Edson Moura Junior (PMDB). Com orçamento inicial de R$ 95.997.802,35 (noventa e cinco milhões, novecentos e noventa e sete mil, oitocentos e dois reais e trinta e cinco centavos), a obra foi embargada provisoriamente pela Justiça, em julho de 2005, graças à denúncia da ONG Associação dos Moradores e Amigos de Paulínia – AMA PAULÍNIA no Ministério Público (MP) local.

Entretanto, mesmo após a interdição judicial, o ex-prefeito continuou pagando o “Manto”, que cobriria a centenária Igreja São Bento, gerando muita polêmica, especialmente na comunidade católica. Segundo dados oficiais, entre os anos de 2004 e 2008, a obra consumiu R$ 115.140.168,55 (cento e quinze milhões, cento e quarenta mil, cento e sessenta e oito reais e cinquenta e cinco centavos) dos cofres públicos municipais, sem nunca ter sido concluída.  Desde 2009, quando Moura foi sucedido por José Pavan (PSB), a obra não recebeu mais nenhum centavo público.

No dia 6 de março deste ano, o juiz Carlos Eduardo Mendes, da 1ª Vara Cível de Paulínia, julgou procedente a denúncia feita pela ONG AMA Paulínia.  “Ao contrário do quanto alegado na defesa da Municipalidade, o simples fato de uma obra, frise-se, meramente ornamental, constar no plano de governo, não significa que a população local a queira, sobretudo quando implicar o desfazimento de uma situação já posta, contemplada e usufruída por todos, como é o centro histórico de Paulínia. Não há nos autos informação de discussão prévia acerca do projeto de lei que autorizou a construção do “Manto de Cristal”, por meio de audiências públicas, o que viola o princípio da democracia participativa. Este princípio é importante para que o interesse público não sucumba ao interesse do chefe da Administração, assim, mesmo com relação aos atos Administrativos discricionários, a comunidade a ser afetada por seus efeitos há que ser, sempre, consultada”, argumentou e em seguida concluiu: “Ante o exposto, JULGA-SE PROCEDENTE o pedido inicial, para, confirmando a ordem liminar, obstar a edificação da obra pública denominada “Manto de Cristal”, especialmente nos locais abrangidos pela igreja de São Bento, e da “Casa dos Ferro”, bem como o seu entorno, num raio de cem metros, a extinguir o feito, com resolução de mérito, nos termos do artigo 269, inciso I, do CPC”. Foi a primeira decisão definitiva da Justiça local sobre a “Pirâmide”, dez anos depois da denúncia da AMA Paulínia. Ainda cabe recurso.
A construtora
A empresa vencedora da licitação 12/2003 foi a Constran S/A, cujo escritório local fica na Avenida dos Expedicionários, região central da cidade. A Constran pertence a holding da UTC Engenharia, cujo dono, Ricardo Pessoa, foi preso na sétima fase da Operação Lava Jato, acusado de ser o chefe do suposto cartel montado por construtoras para desviar dinheiro da Petrobras. 
Segundo matéria do portal G1, o doleiro Alberto Youssef afirmou, em seu depoimento de delação premiada, ter pago propina de R$ 6 milhões a um integrante do alto escalão da gestão da ex-governadora do Maranhão, Roseana Sarney, para o governo maranhense abreviar o pagamento de um precatório de aproximadamente R$ 100 milhões. A Constran negou a acusação do doleiro.
Pela obra não concluída em Paulínia, a Constran recebeu os seguintes valores: R$ 20.102.787,74 (2004); R$ 40.843.861.58 (2005); R$ 24.171.777,66 (2006); 22.325.665,30 (2207); e R$ 7.696.076,27, em 2008, totalizando: R$ 115.140.168,55 (cento e quinze milhões, cento e quarenta mil, cento e sessenta e oito reais e cinquenta e cinco centavos). Os valores individuais constam no Ofício 614/2010, encaminhado à Câmara pela Prefeitura de Paulínia.  
Segundo o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP), o ex-prefeito Edson Moura reajustou o contrato com a Constran três vezes: R$ 18.827.000,95, R$ 3.211.638, 37 e R$ R$ 1.315.596,27, os quais elevaram o custo da obra dos quase R$ 96 milhões para R$ 119.352.037,94 (cento e dezenove milhões, trezentos e cinquenta e dois mil, trinta e sete reais e noventa e quatro centavos).
TCE, TJ e STJ
O então prefeito Edson Moura (PMDB) recorreu no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e  depois no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília, contra a liminar do então juiz de Paulínia Daniel Febretti, que paralisou as obras do “Manto de Cristal”, mas os tribunais mantiveram a interdição.

No pedido de cassação da liminar local feito ao STJ, a administração Edson Moura alegou “que parar as obras é prejudicial à manutenção dos prédios tombados, o que configuraria “perigo da demora” e ameaça à segurança e à saúde pública”. Os argumentos não foram acolhidos pelo então ministro-presidente Edson Vidigal, que decidiu: “Parece-me improvável, aliás, que da simples manutenção de duas edificações centenárias expostas ao ar livre, como sempre estiveram, ao longo dos anos, resultem diretamente ameaçadas a segurança e a saúde pública”.

Em abril de 2007, a Segunda Câmara do Tribunal de Contas paulista julgou irregular o contrato da Prefeitura de Paulínia com a Constran S/A, julgamento este confirmado posteriormente pelo Plenário do TCE, conforme acordão publicado no DOE (Diário Oficial do Estado) em 31 de maio de 2008.
 
Câmara
Em maio e dezembro de 2003, a então vereadora Sonia Prado de Oliveira teve os Requerimentos nº 72 e 205/2003, com pedidos de informações sobre a obra milionária, rejeitados pela maioria mourista na Câmara de Paulínia. Nos documentos, que deveriam ter sido encaminhados ao então prefeito Edson Moura, a vereadora, que também foi vice-prefeita da cidade (97/2000), questionava, entre outros pontos, o alto valor e a utilidade pública da “pirâmide”. Segundo ela, o valor inicial da construção comprometia aproximadamente 21% de todo o Orçamento 2004 da cidade, estimado e fixado em R$ 350 milhões, conforme Projeto de Lei 85/2003, 
Na época, a vereadora considerou inadmissível gastar tanto dinheiro público em uma única obra, enquanto faltavam escolas e creches, equipamentos nas Unidades Básicas de Saúde e no Hospital Municipal, assistência às famílias de baixa renda do município, além do alto índice de desemprego, provocado pela falta de cursos de capacitação profissional. O ex-vereador Jaime Donizete Pereira, o Jaiminho, presidiu a Câmara de Paulínia durante a legislatura de 2003, que livrou Edson Moura de dar explicações sobre tal o “Manto de Cristal”, naquele momento.
Em 2010, sete anos depois, vieram à tona as primeiras informações oficiais sobre a polêmica obra, através do Requerimento 110, de autoria do vereador Custódio Campos (PT), dirigido ao Executivo Municipal. Na época, a construção do “Manto” já estava interditada, havia cinco anos.

Foto: Reprodução Internet

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